20 de junho de 2008

Metro III

Be aware of pickpockets
Está a chegar o verão, e com esta estação do ano, chegam mais turistas à nossa capital. Se durante todo o ano eu assisti por duas vezes a senhores a pickpocketar as malas alheias e, uma dessas vezes tive o prazer também de assistir à revolta dos Srs. Passageiros, que heroicamente, expulsaram os carteiristas de dentro da carruagem sob ameaça de um linchamento, neste mês, tem vindo a ser diário. Dei por mim, a fazer olhinhos a uma senhora, com o objectivo de a alertar para a proximidade de um ladrão que estava a mexer-lhe na mala, depois de ter dado um berro “cuidado com as carteiras” e de todas as pessoas presentes na carruagem terem ficado a olhar para mim, como se eu tivesse acabado de roubar alguém ou ter um surto psicótico. A verdade é que, mesmo as caras sendo conhecidas, os carteiristas tendem a ser os mesmos, todos os utentes habituais já os identificam e ninguém faz nada. Ou seja, a única coisa que podemos fazer é proteger as nossas carteiras e num acto heróico avisar os outros, porque avisar a segurança do metro garanto que não serve de nada.

Metro II

Sim, eu fico lisonjeada quando os trabalhadores da construção civil e afins, fortes, musculados e heróicos cavalheiros, seguram as portas do metro quando eu vou a correr para tentar entrar. Para quem não me conhece, eu ando sempre atrasada e a correr para o metro e, não há nada mais gratificante que saber que o metro não arrancou e que todos os demais passageiros perderam mais uns segundos, só para eu entrar e tentar chegar uns minutos menos atrasada ao meu destino.
Da próxima vez que ouvirem “Srs. Passageiros, façam o favor de não impedir o fecho das portas”, sim, foi por minha culpa.

Metro I

Tenho por hábito deixar que passageiros do metropolitano de Lisboa, passem comigo a cancela que divide o exterior do interior, ou seja, tenho um gostinho especial em ajudar os outros a quebrar as regras e andarem de transportes públicos sem pagar. Sinto-me mesmo vitoriosa e participante activa na comunidade quando isto acontece. Mas, fiquei a pensar, eu que sou uma trabalhadora da área social, não confundir com trabalhadora social, e até sou contra dar moedinhas aos arrumadores de automóveis (que são os mesmos que andam de metro sem pagar, quando depois de um dia de trabalho, descem na estação do intendente para usufruir do seu merecido “descanso”) … Eu sei, se ando de metro a coisa torna-se mais fácil... não vão riscar o meu carro… Se dar moedas aos arrumadores é participar na degradação de vida dos mesmos, compactuar com quem anda de transportes públicos sem pagar é o quê? Eu tenho uma resposta… como andar de metro sem pagar não mata e já que me “obrigam” a comprar o passe social todos os meses e falta-me a coragem para andar clandestinamente, nada melhor que ajudar os corajosos a fazer aquilo que não consigo e desta forma sublimar esta minha necessidade de transgredir!

1 de junho de 2008

Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como não há leite no frigorífico, nem um limite traçado para a solidão doméstica.
Tudo desaparece. Nada desaparece.
Tudo desaparece antes de ser dito e tu queres dormir descansada.
Tens direito a um subsídio de paz.
Se eu escrever um poema, esse não é motivo para te importunar. Eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas de manhã cedo.
Toda a gente sabe que a noite é longa. Não tenho o direito de telefonar para te dizer isso, apesar dessa evidência me matar agora.
E morro, mas não morro.
Se morresse, perguntavas: porque não me telefonaste?
Se telefonasse, perguntavas: sabes que horas são?
Ou não atendias. E eu ficava aqui.
Com a noite ainda mais comprida, com a insónia, com as palavras a despegarem-se dos pesadelos.
José Luís Peixoto, "Gaveta de Papéis"