Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço; Guarda essas garras devagar, E nos teus belos olhos de ágata e aço Deixa-me aos poucos mergulhar. Quando meus dedos cobrem de carícias Tua cabeça e o dócil torso, E minha mão se embriaga nas delícias De afagar-te o elétrico dorso, Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo Como o teu, amável felino, Qual dardo dilacera e fere fundo, E, dos pés à cabeça, um fino Ar sutil, um perfume que envenena Envolvem-lhe a carne morena.
O GATO I Por meu cérebro vai passeando,
Tal como em seu apartamento,
Um gato de todo encantamento,
e de inaudito miado brando, Tanto o seu timbre é o mais discreto;
Mas, se é a voz calma ou iracunda,
Ela sempre é rica e profunda:
Este é o seu encanto secreto. E a sua voz em mim infiltro,
No meu fundo mais tenebroso,
Doce qual verso numeroso
Consoladora como um filtro, Abranda o mal que na alma lavra,
Contendo os êxtases e as pazes;
Para dizer as longas frases
Nunca precisou da palavra. Certo não há arco que fira
Meu coração, este excelente
Órgão e o faça nobremente
Cantar só como canta a lira, Como esta voz, ó misterioso,
Gato seráfico e esquisito
Em que tudo é, como num rito,
Tanto sutil quanto harmonioso! II Destas lãs louras e morenas
Sai um olor doce de pelos,
Que me perfumei só por tê-los
Afagados uma vez apenas.
É como os manes da morada;
Preside no seu magistério
Todas as coisas deste império:
Seria talvez Deus ou fada? Quando o olhar para este gato a esmo,
Como por um ímã atraído,
Se dirige, e tão sucumbido,
E que eu olho para mim mesmo, Eu vejo com olhar demente
A luz destas pupilas ralas,
Claras fanais, vivas opalas,
Que me contemplam fixamente.
Dois de vários poemas de Charles Baudelaire, o poeta das Flores do Mal reconhecia já em seu tempo a magia felina. Quem possui a companhia desses animais, também sabe como é conviver com esses olhos selvagens e meigos. Principalmente os dos vira-latas.
1 comentário:
Miau... Arrhhh!
O Gato
Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;
Guarda essas garras devagar,
E nos teus belos olhos de ágata e aço
Deixa-me aos poucos mergulhar.
Quando meus dedos cobrem de carícias
Tua cabeça e o dócil torso,
E minha mão se embriaga nas delícias
De afagar-te o elétrico dorso,
Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo
Como o teu, amável felino,
Qual dardo dilacera e fere fundo,
E, dos pés à cabeça, um fino
Ar sutil, um perfume que envenena
Envolvem-lhe a carne morena.
O GATO
I
Por meu cérebro vai passeando,
Tal como em seu apartamento,
Um gato de todo encantamento,
e de inaudito miado brando,
Tanto o seu timbre é o mais discreto;
Mas, se é a voz calma ou iracunda,
Ela sempre é rica e profunda:
Este é o seu encanto secreto.
E a sua voz em mim infiltro,
No meu fundo mais tenebroso,
Doce qual verso numeroso
Consoladora como um filtro,
Abranda o mal que na alma lavra,
Contendo os êxtases e as pazes;
Para dizer as longas frases
Nunca precisou da palavra.
Certo não há arco que fira
Meu coração, este excelente
Órgão e o faça nobremente
Cantar só como canta a lira,
Como esta voz, ó misterioso,
Gato seráfico e esquisito
Em que tudo é, como num rito,
Tanto sutil quanto harmonioso!
II
Destas lãs louras e morenas
Sai um olor doce de pelos,
Que me perfumei só por tê-los
Afagados uma vez apenas.
É como os manes da morada;
Preside no seu magistério
Todas as coisas deste império:
Seria talvez Deus ou fada?
Quando o olhar para este gato a esmo,
Como por um ímã atraído,
Se dirige, e tão sucumbido,
E que eu olho para mim mesmo,
Eu vejo com olhar demente
A luz destas pupilas ralas,
Claras fanais, vivas opalas,
Que me contemplam fixamente.
Dois de vários poemas de Charles Baudelaire, o poeta das Flores do Mal reconhecia já em seu tempo a magia felina. Quem possui a companhia desses animais, também sabe como é conviver com esses olhos selvagens e meigos. Principalmente os dos vira-latas.
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